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9 de outubro de 2010

Umbanda: Um sincretismo qualquer?

        


       Seguindo proposta involuntária do querido amigo Grande Hilton, aqui venho me pronunciar sobre um assunto que considero espinhoso: Religião. Outrora desinteressado por assuntos polêmicos e/ou muito estereotipados resolvi-me por tentar discutir o famigerado sincretismo relacionado à Umbanda por meio de suas próprias definições.


        Isto mesmo, Umbanda e não macumba, pois ao contrário do que a maioria pensa nem tudo é bagunçado nos terreiros e tendas que se espalham por todos os cantos. Aqui trato de uma “linha espiritual” tipicamente brasileira, organizada e bem firmada. De forma resumida (primitivamente), entenda-se Macumba como toda manifestação mediúnica de indivíduos que, isoladamente ou em grupos não organizados, pretendem intervir junto a forças do além em troca de dinheiro e poder. Traduzindo: Macumba é coisa de charlatão, já Umbanda, Candomblé e outros, em tese, não são.

       A Umbanda é uma das mais interessantes religiões que se pode encontrar por aí. Por mais prolixas que sejam suas origens, costuma-se afirmar que ela foi criada pelo médium Zélio Fernandino de Moraes (note-se, a época, um adolescente de 17), em 1908, sob a influência do Caboclo das Sete Encruzilhadas. Essa religião destaca-se por sua riqueza alegórica e sincrética.  De fato, seu sincretismo, mesmo sendo mantido normalmente por questões de tradição, possui uma harmonia interessante. Não corresponde somente e implicitamente a deformações de formação religiosa, mas antes a conformidades espirituais universais, ou seja, ela reflete uma síntese do que hoje se convém chamar de ecumênico.

       É preciso não confundi-la com o Candomblé, que pra todos os efeitos é mais sincrético; o que confirma, de certo modo, o outro termo que o intitula: Nações. Outra razão para o insistente sincretismo foi quando, a partir da legalização da Umbanda, muitas tendas cujos rituais não seguiam o recomendado pelo fundador da religião, passaram a dizerem-se umbandistas, de forma a fugir da perseguição policial. Isto deu início a perda dos contornos bem definidos que a Umbanda possuía até então, assim como aumentou a mistura com outros tipos de manifestações religiosas; de tal forma que hoje é muito provável que a Umbanda genuína é raramente praticada.

       A grande gênese desse sincretismo, que distorce o valor de certos cultos organizados, deve-se a própria formação histórica do Brasil. Somos um país deveras miscigenado, onde se fundem e confundem diversos povos (e porque não dizer nações), cada qual com sua cultura, tradição e religião. Os negros africanos, quando aqui escravizados, procuraram manter estas suas raízes, cultuar suas divindades camuflando seus altares com uso de santos e adereços da religião cristã, única oficialmente aceita no Brasil da época colonial. Dizem que este sincretismo já ocorria na África por “livre e espontânea pressão” de missionários; tal ação parecia-lhes conveniente para aceleração da conversão dos povos pagãos. Obviamente, os cultos indígenas a estes se misturaram também em menor ou maior grau.

       É sabido que, para a maioria das ditas religiões do mundo, em cada homem está confinado um espírito. Num ponto de vista um tanto filosófico-psicanalítico, dir-se-ía que: o Espírito seria tudo do que parte o Eu; o que parte o Eu e para o qual parte o Eu. Não entendeu? Pois bem, destrinchemos... Acredito que o lance primordial aqui é interpretar este espírito como sendo a visão que o homem tem de si através de sua crença; o homem pela crença, e não o homem pelo homem. É provável que esta visão similar (e genérica, diga-se, de passagem) sobre espírito, unida as condições históricas, tenha permitido tão peculiar sincretismo no Brasil.

       O que os escravos fizeram foi achar pontos de convergência entre a trajetória dos santos católicos e seus Orixás, Inkices e Voduns mais ressaltados, e comumente cultuados. A principal origem da Umbanda, do Candomblé, e de outros grandes cultos afro-americanos relativamente organizados, como o Vodou haitiano e a Santeria cubana, a meu ver, partindo de pesquisa (confesso que breve), é a religião dos Iorubás; grupo étnico da África que habitava principalmente a atual Nigéria.

       Em via de regra, os fundamentos básicos da Umbanda atravessam as seguintes características:
1 - crença na existência de um Deus único, Olorum. Dependendo da vertente e ramificação ele pode ser chamado de Zambi ou Tupã.
2 - crença em entidades espirituais, a quem se permite um processo de evolução
3 - crença em Orixás e Santos; chefiando falanges que formam a hierarquia espiritual
4 - crença em guias mensageiros
5 - crença na existência e eternidade da alma (reencarnação)
6 - crença na prática da mediunidade, como forma de desenvolvimento espiritual do médium, com auxílio de ervas e frutos permitido, e sempre através de virtudes como fraternidade, caridade e respeito ao próximo, jamais maldades.

       A Umbanda segue sempre uma doutrina, conduta moral junto as leis cármicas. Acima de tudo prega a caridade. É antes uma forma de mediunismo do que espiritismo. De modo geral, inexiste o sacrifício de animais na Umbanda, em hipótese alguma é aceito. Tal prática é encontrada apenas em algumas das várias ramificações desta que mantém ligações com outros cultos afro-brasileiros, e no Candomblé.

       Na Umbanda considera-se a existência de uma escala evolutiva para os espíritos. Assim se faz uma divisão básica em dois extremos. A linha direita e linha a esquerda. A direita representa os espíritos que estão na luz, os mais evoluídos. A esquerda representa os guardiões, espíritos humanos que sofreram decadência e estando nas trevas passam a trabalhar nestas para a luz, ou seja, auxiliam outros a chegar à luz.

        Em Umbanda, entende-se que não se manifesta o próprio Orixá por meio da incorporação, mas sim seus mensageiros ou falangeiros; espíritos que vêm em terra para orientar e ajudar. É nisto que se encaixam os Exus e Pombo-giras (ou pombajiras). O Exu seria o masculino e a Pombajira o feminino, porém atualmente esta cada vez mais confirmada que esta distinção só se dá no plano espiritual, podendo, por exemplo, um médium masculino incorporar uma Pombajira – o que também não influencia no caráter sexual do incorporado. Na Umbanda estes são considerados entidades, não deuses. São mensageiros dos humanos aos Orixás, protetores dos médiuns, agentes do equilíbrio; aqueles que estão no “inferno” mas nunca vivem nele. Em algumas interpretações, sua incorporação se dá por meio dos chackras do homem.

       Aqui o link para uma narração interessante sobre a origem de uma pombajira, em meados do séc. XIX.

http://pt.shvoong.com/humanities/religion-studies/1709450-hist%C3%B3ria-uma-pomba-gira/

       Os guardiães não são seres vingativos, mas sim seres que gostam de ser respeitados. Geralmente portam roupas vermelhas, pretas e douradas, o que pode mudar dependendo da denominação e da casa da onde vem. Algumas casas até padronizam a roupa de seus médiuns, geralmente para branco. Pode-se considerar que pombajira representa o poder feminino feiticeiro, comparável com as Iyami Oxorongá dos Iorubás.

        Essas entidades representam a dualidade do ser humano, quem em situações pode fazer o bem, mas também pode fazer o mal. Como assim? Digamos que se pode tanto estabelecer como destruir a comunicação com os orixás. Estes são naturalmente neutros, porém quando solicitados podem fazer o mal em troca de oferendas, com as consequências disto recaindo tanto sobre eles como sobre quem lhes fez o pedido; então, o homem também sofrerá a ira do Exu, já que este ficou espiritualmente atrasado em razão de pedido de má fé realizado pelo homem.
     
        Os orixás também podem realizar trabalhos benignos, como curas e orientação em todos os setores da vida pessoal dos consulentes, além de praticar a caridade em geral. Os “trabalhos” realmente maléficos são obra de Kiumbas ou Exu-pagães, espíritos obsessores que provocam toda sorte de distúrbios, ao contrário dos outros que são orientadores e elo com o bem maior.

- Aqui, um link de valor, em que Xico Xavier dá sua opinião sobre a Umbanda e faz um alerta latente a respeito dos pedidos que se faz as entidades quando na condição de ajudado: http://www.youtube.com/watch?v=BRCiUyxNOOs

       Fica evidente que os espíritos da esquerda (negativos), à medida que vão evoluindo, são coroados e recebem, por mérito de seu sacrifício, a condição de progredirem como elementos da linha positiva (direita). Em resumo seu estado é transitório, e, portanto, há diversas manifestações de inúmeras falanges - divisão espiritual hierárquica semelhante as da doutrina espírita de Kardec - dessas entidades. Tais entidades costumam auxiliar seus médiuns nos terreiros de Umbanda, como por exemplo: Rosa dos Ventos, Rainha das 7 Encruzilhadas, Pombajira da Calunga, Pombajira Cigana, Rosa Caveira, Dona Tata Caveira, etc. Dentro dessas escalas de evolução existem espíritos evoluídos encarregados de orientar os outros que estão evoluindo e, nesses casos, elas mudam do título de Pomba-gira e passam a ser chamadas de Lebará.


ALGUNS GUARDIÕES E SUAS FALANGES
Tranca RuasFalange das Almas
TiririFalange das Encruzilhadas das Matas
Sete EncruzilhadasFalange das Encruzilhadas
Meia-NoiteFalange dos Cruzeiros
Maria PadilhaFalange das Almas
Sete SaiasFalange das Encruzilhadas
Maria MolamboFalange da Lira



            Tranca Ruas                                                                                           Tata Caveira                    

- Há diversos hinos e músicas, de acordo com a entidade em questão, todos muitos interessantes. Aqui, um link do YouTube apresentando um hino da Umbanda:

http://www.youtube.com/watch?v=87dWZVEFCJI&feature=related

- E mais dois links, um apresentando uma música e outro cantigas à Maria Padilha:

http://www.youtube.com/watch?v=N3gvF8z2wA0

http://www.pombagiramariapadilha.com.br/cantigas.htm

- E ainda, um link com uma música mais contemporânea, no caso "Iemanjá, Exú, Pomba Gira, Ogum, Obaluaiê, Oxalá", do músico Martinho Da Vila:

http://www.youtube.com/watch?v=N13Mrbz0CiY

       Neste ponto é importante, para fins de maior esclarecimento, atentar para a seguinte delineação da condição hierárquica do Plano Astral: ela é sublimada, ou seja, não se trata de divisão de poderes, mas apenas de tarefas, pois não existe disputa de poder (diferente do que ocorre entre humanos, por exemplo, nas casas de Candomblé que costumam rachar por disputas de poder e reconhecimento).

       Assim encontrei em diversos sites sobre o assunto: O estágio evolutivo do Exu é inferior ao dos caboclos, baianos, pretos-velhos, etc. Sua energia é mais densa e sua vibração ou força de incorporação está mais próxima ou similar à vibração da Terra, exigindo dos médiuns uma concentração diferenciada da que possam sentir ao incorporarem um caboclo, um baiano ou preto-velho (isso principalmente no Candomblé, que vê os Exus como personalização dos fenômenos e energias naturais). Quando um médium incorpora um Exu ou Pombo-gira, ele está ativando seus chackras inferiores, e, se este médium for despreparado ou tiver conduta questionável, poderá interferir na incorporação: ele dará vazão aos seus sentimentos menores, transferindo para o Exu o seu tipo de comportamento e neste caso não há dúvidas: o médium está mistificando um ato sagrado da espiritualidade. Assim sendo, a evolução do espírito influencia também na intensidade da energia da incorporação.

       As oferendas às entidades são inúmeras, sempre acompanhadas de champagne, bons vinhos, bebidas fortes como o gim ou a pinga. É oferecido charutos e cigarros de boa qualidade; flores vermelhas, sempre em numero ímpar; farofas de dendê; mel de licor de anis (uma de suas bebidas preferidas); espelhos; jóias; batons; perfumes; enfim, variados adereços. Tudo depende de qual entidade está sendo chamada, se masculino ou feminino. O importante ao invocá-las, é sempre lembrar que são entidades complexas de personalidade forte, e que nunca perdoam uma falta de palavra dada.

       Concluindo, percebe-se que muito se diz sobre estas entidades: que foram levianas em vida e que ao morrer se transformaram; que são espíritos demoníacos, perversores e pervertidos, entre outros adjetivos. Mas seu caráter de atitude leviana, ou má, depende explicitamente da psique do incorporado e do caráter do invocador. Obrigatoriamente, destaco aqui os dados da legalização da Umbanda em território nacional. Foi em 1945, quando José Álvares Pessoa, dirigente de uma das sete casas de Umbanda fundadas inicialmente pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, obteve junto ao Congresso Nacional a legalização da prática. Rememoro também a do Candomblé, que ocorreu por meio da lei federal nº. 6.292, de 15 de dezembro de 1975, o qual protege os terreiros de candomblé no Brasil contra qualquer tipo de alteração de sua formação material ou imaterial. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e o Instituto Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC) são os responsáveis pelo tombamento das casas.

       - Anexo dois últimos links que apresentam prévia de um documentário sobre a Umbanda em Bauru, lançado em 2008. Tem destaque irônico o segundo, que trata (pasmem!) das tentativas de “conversões” das entidades, por partes de religiosos:

http://www.youtube.com/watch?v=T0kXt_8MJl4 – Umbanda 100 anos - Parte I

http://www.youtube.com/watch?v=c1-VwM2qrHU&feature=related - Umbanda 100 anos - Parte II


OBS: chamo atenção também a variação Kimbanda, e destaco um outro link para esclarecimento (ou não) de um de vídeo com mostra de gira (espécie de ritual) da mesma:

http://fratermagister.blogspot.com/2008/03/kimbanda-e-umbanda.html

http://www.youtube.com/watch?v=gtl-KKW2wyM (gira da Kimbanda)

PS: Se alguém achar o documentário Umbanda 100 anos completo por favor me mande, ficarei agradecido.